Foto: REUTERS/Kai Pfaffenbach

No fim da primeira semifinal do Mundial Interclubes, uma sensação de alívio tomou conta dos flamenguistas como poucas vezes nesses meses mágicos sob comando do técnico Jorge Jesus.

O Al Hilal deu um calor até maior que o River Plate no primeiro tempo, e a baixa produção do time até o intervalo novamente foi superada por uma segunda etapa épica, com vários ingredientes do jogo em Lima, como a entrada de Diego na função de Gérson e a virada já na parte final do jogo.

É uma combinação de fatores. O Al Hilal é um time muito forte, com jogadores que podem e fizeram a diferença, e jogou em uma intensidade muito grande na primeira etapa. Isso fez o Flamengo render abaixo do que poderia, mas também mostrar alguns defeitos que viraram rotineiros, como as falhas de marcação na linha defensiva, o gol do Al Hilal saiu de forma muito parecida com aquele gol do River. 

O gol logo depois do intervalo ajudou a equipe a restabelecer o controle, e com o cansaço do Al Hilal e a entrada de Diego, além do ritmo que o Flamengo, de forma impressionante, consegue exercer sem cair o jogo inteiro, ajudou a pavimentar o caminho para as viradas.

Por esse motivo é possível dizer que foram dois times quase que distintos. Um sem conseguir ficar com a bola, apostando apenas nos contra-ataques e mostrando muitas falhas em seu sistema defensivo. E o outro que impôs sua ideia, construía jogadas em velocidade e com passes vindos da defesa e naturalmente fez dois gols. Dois Flamengos. Dois tempos. Duas viradas.

Al Hilal fica com a bola e gera desconforto no Flamengo

Um dos grandes defeitos da nossa cultura de futebol é menosprezar adversários e achar que times brasileiros são sempre os melhores. Clichês como “tem que jogar o que sabe” ou “não pode cair na pilha” são frequentes para mostrar esse ufanismo barato e cada vez mais surrado. 

O Flamengo não jogou mal na primeira etapa porque “sentiu o emocional”. Jogou mal porque foi taticamente inferior ao Al Hilal, que impôs sua ideia de futebol e ainda mostrou algumas armas para explorar os defeitos do Flamengo.

A principal foi um sistema defensivo montado para atrapalhar o alinhamento da defesa flamenguista. Quatro jogadores, entre eles Gomis e Carillo, sempre estavam próximos aos zagueiros e laterais.

Eles ficaram na zona mais próxima ao gol, e ao invés de buscarem dos volantes, esperavam sempre a bola para jogar só quando Mari ou Rodrigo Caio saíssem do seu lugar. O nome desse conceito tático é profundidade, o que do Flamengo a possibilidade de pressionar e marcar com o meio-campo.

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Foto: Leonardo Miranda

A profundidade do ataque árabe confundiu Arão e Gérson. Pense no lugar do volante: ele precisa correr para roubar a bola de quem está próximo e proteger os zagueiros.

Mas e quando sempre há um adversário nas suas costas, o que ele faz? Avança para o meio e deixa o zagueiro no “mano a mano”, ou ajuda o companheiro? Não apenas com os volantes, Rafinha e Filipe Luís também sofreram isso.

O próprio gol nasce de uma jogada de profundidade

Após receber a bola e girar, Giovinco confunde totalmente Gérson e “elimina” três flamenguistas da jogada: Éverton e os dois volantes. Quando a bola chega no jogador aberto e a linha precisa se definir, são os volantes que estão atrasados e não fecham a entrada da área justamente pela indecisão.

No exato momento do passe, Gomis e Salem estão nas costas de Filipe Luís, que não falhou no lance. Ele fez a cobertura certa ao tentar fechar o ângulo de visão do lateral. Arão rapidamente vira o corpo para cobrir a linha defensiva. Quem falha é Gérson, que deveria fechar a entrada da área.

O jogo não mudou após o gol. O domínio ainda continuou com o Al Hilal. O Flamengo chegava pouco. A bola queimava, algo parecia errado. Foram seis chances da equipe árabe, incluindo uma grande defesa de Diego Alves e o gol. Além de quatro escanteios. Algo precisava ser modificado para o segundo tempo.

A mudança de intensidade na volta do intervalo

Logo depois do jogo, Bruno Henrique revelou o que o Mister disse no intervalo. A orientação era para manter o que é treinado e, principalmente, não diminuir o ritmo em nenhum momento.

O controle do jogo só seria restabelecido se o Flamengo continuasse a construir rapidamente de trás para que o time corresse quando a bola estivesse com o pelotão de frente. Era esse ritmo que estava faltando, uma vez que o Al Hilal recuperava a bola com facilidade, atacava como queria e ainda impedia os contra-ataques do Flamengo.

Nós vimos o jogo deles contra o Esperance e vimos que, no segundo tempo, eles caíram de rendimento. A gente conversou, e o Mister falou para a gente não diminuir a intensidade, porque o time deles ia cansar, e foi o que aconteceu. A gente, com a nossa qualidade, conseguiu virar o jogo.

Intensidade é uma palavra usada sem exatamente saber seu significado. Intensidade não é correria, velocidade ou troca rápida de passes. O termo surgiu lá pelo início da década de 2000, quando a escola do Porto entendeu que os métodos de treinamento deveriam casar a parte tática com a parte física para fazer jogadores pensarem e executarem ações de forma mais rápida. Intensidade se trata da velocidade na tomada de decisão dos jogadores, e foi ela que fez a diferença no lance do gol.

Foto: EFE

A intensidade no lance do empate

A construção do lance é aquela mesma que todo mundo sabe: Arão busca entre os zagueiros e a bola circula até os laterais. É quando Rafinha faz o passe que a intensidade define. Ao receber a bola e girar o corpo, Gabigol provoca uma “mini” pane na defesa do Al Hilal.

Eles sobem e fecham todo seu espaço, pensando que ele iria correr em direção ao gol. Isso gera um espaço, no lado esquerdo. Ao mesmo tempo, Arrascaeta e Filipe Luís começam a correr justamente nessa lacuna gerada.

Gabigol entende que será mais benéfico passar a bola para Bruno Henrique e explorar o espaço gerado pelo seu giro. Ele toma essa decisão em dois segundos, enquanto que a defesa do Al Hilal demora a entender que o perigo está do outro lado. O Fla foi mais inteligente e mais rápido, e é a combinação desses dois fatores que constitui a intensidade.

De novo, Diego faz a diferença na função de Gérson

O empate logo na volta em campo ajudou o Flamengo a tomar controle da partida. E a intensidade fez o Al Hilal cansar rapidamente. Dos 50 aos 70 minutos o jogo já ficou com a cara do Flamengo, mas faltava capricho no término das jogadas. A partir dos 70 minutos foi um domínio total do finalista do Mundial. Toques rápidos, velocidade ao identificar espaços vazios e jogadas em que quatro ou cinco passes eram o suficiente para o time chegar na cara do gol.

Foi exatamente aos 70 minutos que Diego entrou no lugar de Gérson, que não fez boa jornada. Na mesma função. E assim como contra o River Plate, a troca foi fundamental. Por um motivo simples, Gérson é um jogador que gosta de ficar próximo da bola, ajuda o time a inverter o lado da jogada e não perder a bola.

Só que ele não está jogando bem quando recebe pressão de seus adversários. Muitas vezes não consegue girar e “atrasa” o passe. Diego Ribas é conhecido justamente pelo giro! Por prender, esconder a bola do adversário e dar mais passes verticais. Ele tem uma leitura de espaços única e sempre colocava o jogo nessas regiões.

Foto: Leonardo Miranda

Foi exatamente essa característica que ajudou o Flamengo a girar. Novamente pelo lado direito, numa bola invertida rapidamente que fez o Al Hilal se descompactar todo. Essa desorganização fez Bruno Henrique ficar sozinho contra um zagueiro, e o que acontece quando ele fica sozinho contra adversários? Gols, na certa. Ainda teve tempo de um gol contra, numa nova jogada construída pelo Flamengo.

O Flamengo teve duas caras nesse jogo. Uma que não agradou o torcedor, mas vem aparecendo com mais frequência que o normal. Outra que fez festa no Brasileirão, a que normalmente o time imprime o jogo inteiro e corresponde ao que todo mundo espera. Qual desses dois times enfrenta Monterrey ou Liverpool? Só saberemos na final do Mundial.

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